Após contribuir por 35 anos para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Jorge Luiz Bramante, de 62, teve o benefício negado por falta de tempo de contribuição. A pedagoga Luiza Campos, de 60, portadora da doença de Parkinson, também teve o pedido de aposentadoria por invalidez indeferido, mesmo após a perícia médica dar o aval para o pagamento. Situações como essas têm sido cada vez mais recorrentes no INSS, que em dezembro negou quase 55% dos benefícios requeridos.
O percentual de negativas foi maior do que a média dos últimos dez anos, além de superar todos os meses de 2019. Os indeferimentos já haviam subido significativamente em novembro, quando alcançaram 50,39% dos pedidos. Em setembro, para se ter uma ideia, apenas 34,24% dos requerimentos foram negados. Em outubro, foram 45,44%. O INSS ainda não informou os números de janeiro de 2020.
— O que notamos é que está aumentando muito o número de pedidos negados. Em menos de uma semana, tivemos notícia de 30 requerimentos indeferidos. Estamos questionando os processos analisados sem qualidade, visando apenas à quantidade — apontou Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Com uma fila virtual de mais de 1,8 milhão de benefícios pendentes de análise, sendo 1,2 milhão aguardando há mais de 45 dias, que é o prazo legal, o INSS tem buscado formas de agilizar o andamento dos processos. Entre elas, a concessão automática de benefícios pelo Meu INSS e o pagamento de bônus por produtividade aos servidores.
Advogados temem que, em meio às tentativas de zerar o estoque de pedidos, a qualidade das análises seja comprometida.
— Já me deparei até mesmo com processos que vêm com justificativas que não são relacionadas àquele caso. Por exemplo, uma pessoa entra com pedido de pensão por morte e recebe uma resposta dizendo que ela não atende aos requisitos da aposentadoria por invalidez — contou o advogado Luiz Felipe Veríssimo, do escritório SAFV.
No caso de Luiza Campos, a justificativa do INSS para não conceder a aposentadoria por incapacidade permanente era a falta de tempo de contribuição. No entanto, por ser portadora de Parkinson, ela seria isenta de carência.
— Eu jamais iria querer me aposentar por causa disso, mas eu tenho direito. Foi atestado pela perícia médica — desabafou.
Jorge Luiz Bramante, de 62 anos, autônomo
— Dei entrada duas vezes na aposentadoria por tempo de contribuição. Da primeira vez, em 2018, o INSS não considerou meus 5 meses no serviço militar. Então, paguei as contribuições que faltavam e dei entrada novamente em outubro de 2019. Foi indeferido de novo. A gente se sente diminuído.
Apesar de haver pedidos negados pelo INSS sem justificativa, há também muitos casos em que o segurado dá entrada no benefício sem preencher os requisitos legais para recebê-lo. O advogado João Badari conta que, com a reforma da Previdência, aprovada e promulgada no ano passado, muitas pessoas decidiram tentar se aposentar, sem verificar se tinham o direito naquele momento, o que pode ter contribuído para um aumento do número de indeferimentos.
— O primeiro passo é verificar se a fundamentação do INSS está correta. Tem casos que são revoltantes, pois se trata de uma pessoa que está passando necessidade. Mas quando analisamos o caso de forma técnica, a pessoa realmente não tinha direito, o servidor não errou em indeferir.
O INSS explicou que os principais motivos que levam ao indeferimento dizem respeito ao não cumprimento de requisitos:
“Esses requisitos podem ser: tempo de contribuição, carência (número mínimo de meses de recolhimento para ter direito), qualidade de segurado (continuidade das contribuições), qualidade de dependente ou não ocorrência de fato gerador”, informou a autarquia. No Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas), os indeferimentos podem se dar pela idade abaixo de 65 anos, não caracterização da deficiência ou superação do limite de renda mensal exigida — o rendimento da família dividido pelo número de moradores da casa deve ser de, no máximo, 25% do salário mínimo (R$ 261,25) para cada um.
Enquanto aumenta o número de negativas, cresce a quantidade de recursos de segurados que acreditam ter direito ao benefício que foi indeferido. No fim de janeiro, havia 120 mil processos parados no Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS).
— Há recursos parados há mais de um ano. Muitas vezes, entrar com a ação judicial tem sido mais rápido, pois há a possibilidade de pedir antecipação de tutela (liminar) em que o segurado já recebe o benefício — explicou Veríssimo.
A reportagem solicitou à Secretaria de Previdência o número atualizado de processos no CRPS, mas a pasta informou que esses dados ainda estão sendo consolidados.
“Ao longo do ano de 2019 foi implantado novo sistema de processamento dos recursos no Conselho. Esse sistema está em fase de implementação, motivo pelo qual as informações sobre número de processos represados e tempo médio de análise no CRPS ainda estão sendo consolidadas”, alegou o órgão.
Em nota, o INSS informou que os servidores do instituto que trabalham na concessão de benefícios são altamente qualificados e têm, como referência para a análise dos requerimentos, a legislação previdenciária vigente, que norteia qualquer deferimento ou indeferimento de pedidos. Além disso, destacou que os requerimentos passam por um controle interno, “uma vez que, para que seja pago o bônus por produtividade, por exemplo, os processos precisam ter sido despachados de forma correta e fundamentada”.
De acordo com a autarquia, servidores que adotem atitudes que vão contra os princípios do serviço público podem ser punidos.
O INSS ressaltou, no entanto, que “analisa mais de 700 mil requerimentos por mês e que erros podem ocorrer, de forma eventual. Esses casos podem ser revistos mediante recurso do segurado junto ao ao CRPS”.
Por fim, o instituto informou que está finalizando a elaboração de um edital para a contratação de temporários, que trabalharão no atendimento ao público e na análise de benefícios, a fim de acelerar a análise de requerimentos.
Fonte: Extra