A mídia vem abordando sem parar a tempestade que se abateu sobre as Lojas Americanas. Quanto mais se fala do assunto, mais pontas são puxadas e mais difícil se torna compreender como é possível chegar aos números surpreendentes e como isso passou despercebido por tanto tempo.
No primeiro momento, é difícil entender, mas é possível ser explicado.
Qual impacto na reputação em escândalos fiscais?
Em casos como esse da Americanas, algumas das recomendações que normalmente devem ser feitas à uma organização como essa, já vinham sendo seguidas à risca. Um grupo de alto escalão empresarial, experientes e fundadores de outros negócios de sucesso estavam à frente para definir as melhores estratégias para tornar a marca referência no setor.
Externamente, integrante do Índice de Sustentabilidade da B3, sem falar de auditoria feita pela PwC, as menções sempre positivas na mídia e a associação natural da marca a uma empresa com valores sólidos e responsáveis com reputação em profundas raízes, são a combinação ideal para o sucesso nos dias de hoje.
Mas o que será que deu errado?
É difícil entender como um rombo tão grande passou despercebido por tanto tempo. É inimaginável pensar que esses valores apareceram do dia para a noite. Talvez uma pesquisa/diagnóstico, como sempre propomos aos nossos clientes, tivesse mostrado alguma fragilidade a ser considerada e que foi ignorada. Ou a estratégia de recuperação fiscal tenha dado errado.
Não importa.
Seja como for, o desastre aconteceu. O castelo, que era de areia, veio abaixo e provocou reação em cadeia, com crítica que atinge em cheio não só a reputação da empresa como a de seus diferentes “avalistas”.
Cabe a reflexão: será que a Americanas tem aquilo que chamamos de “estoque reputacional da marca”? Se sim, de que proporções? Até que ponto é possível que o eventual ‘saldo positivo’ a favor da empresa seja o bastante para neutralizar muito do desgaste?
É preciso analisar como essa reputação foi construída. Quais os valores foram percebidos pelo mercado? Como a ruptura abrupta no percurso da empresa realmente impactou a reputação e a confiança depositadas pelos diferentes stakeholders da marca – clientes, funcionários, fornecedores, sistema financeiro, investidores, mídia?
O papel de uma consultoria de reputação envolve reconhecer questões desse tipo e como responder a elas. Também cabe observar uma questão hoje entrelaçada ao cerne reputacional de marcas e organizações: os valores ESG. Começam a ficar indissociáveis à reputação e valores como responsabilidade ambiental, social e de governança. Este último quesito parece não ter sido levado na devida conta neste caso…
Se o caminho das Americanas for o mesmo percorrido por bom número de empresas que sofreram desgastes sérios em sua reputação nos últimos tempos – e há dois ou três casos em particular que vêm à nossa cabeça e deve vir a cabeça de todas as pessoas – daqui a pouco a mídia poderá ser inundada por notícias sobre plantio de árvores, patrocínio de atletas, projetos de inclusão social ou contribuições a causas nobres, na esperança de que o estrago seja esquecido.
A questão é que sem chegar à causa raiz, o problema permanecerá e os pilares de sustentação da marca ou da organização continuarão frágeis. Um exemplo de quem percorreu esse caminho é o Nubank. Depois de uma sincera, mas desastrosa, declaração de sua dirigente de não contratar pessoas negras por “não poder nivelar por baixo”, a primeira resposta foi um pedido de desculpas.
Mas, no mês seguinte, o banco anunciou seu compromisso com a diversidade. Em seguida, criou programa de recrutamento específico para pretos e pardos, expandiu o time voltado à diversidade e inclusão para ajudar a combater o racismo estrutural e lançou o Semente Preta, fundo de capital para empreendedores do segmento.
No caso atual, pode até ser que o crédito de confiança, não tanto das Americanas em si, mas de seus acionistas de referência, colabore para suportar o desgaste, resolvida a queda de braço na questão financeira. Quem sabe até surja alguma espécie de ato de contrição na forma de programas efetivos para o mercado focalizados em administração financeira, apoio a Universidades, criação de uma Fundação, imaginação nesse sentido é o que não faltará.
A lição que fica é que, não importa o quão sólida financeiramente uma empresa aparenta ter, sem o fortalecimento da reputação, nenhum negócio sobrevive às intempéries de um mercado pronto para atropelar quem quer que seja.
**Por José Carlos Stabel: Jornalista, Publicitário, especialista em reputação de marca e sócio diretor da Percepta Marketing e Comportamento.